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Boletim da APECA
sexta-feira, 01 maio 1998 01:00

Homo Homini Lupus

Deparamos frequentemente com situações de conflito entre técnicos oficiais de contas causadas por alteração da pessoa responsável pela contabilidade. O cliente entende que deve mudar de técnico oficial de contas e o novo profissional, ávido de agradar ao, e cativar o, cliente assume desde logo a defesa deste contra o seu antecessor, indiferente às eventuais vicissitudes que motivaram a substituição.
Em nosso entender, tal procedimento é incorrecto do ponto de vista deontológico. O técnico oficial de contas, ao ser contratado para executar uma determinada contabilidade, deve assumir um atitude de respeito pessoal e profissional pelo colega que o antecedeu, não devendo imiscuir-se nas relações contratuais cessadas que, quanto a ele, são "res inter alios". Mais ainda, tem o dever de não hostilizar o colega, antes devendo compreender o trabalho desenvolvido e, por princípio, justificá-lo, até porque desconhece se foram fornecidos ao seu antecessor todas as informações e documentos necessários à produção de um bom trabalho. E todos sabemos que, muitas vezes, o cliente muda de profissional apenas para justificar a sua má colaboração na execução do objecto contratual ou porque, o que também é vulgar, o técnico oficial de contas impondo, como é o seu dever legal e deontológico, a sua independência técnica e profissional, não corresponde aos desvirtuamentos contabilístico-fiscais pretendidos pelo cliente.
É bom que os profissionais tenham isto presente e evitem fazer juízos precipitados e gratuitos sobre o trabalho desenvolvido pelos colegas, até porque, no futuro, poderão vir a ser alvo de comportamento semelhante por parte do cliente. Vale aqui lembrar o aforisma popular "não te rias do vizinho, porque o mal te pode vir pelo caminho".
Por outro lado, importa referir que o técnico oficial de contas, ao ser contratado, deve entrar em contacto com o colega que o antecedeu, a fim de procurar saber, até no seu próprio interesse, de que tipo de cliente se trata, o estado de execução da contabilidade e ainda certificar-se se os seus honorários se encontram saldados e, em caso negativo, diligenciar no sentido do pagamento com base no princípio de que todo o trabalhador tem direito ao seu salário.
Trata-se de deveres deontológicos gerais que, apesar de não legislados, pelo menos de forma concreta, devem ser observados como forma de relacionamento sadio entre profissionais do mesmo ofício, o que conduzirá à desejável e ambicionada dignificação profissional. Na verdade, se os técnicos oficiais de contas, como qualquer outro profissional qualificado, desejam ver dignificada a sua actividade terão de começar por impor ao cliente a sua autonomia e independência profissionais e criar um espírito de unidade e colaboração entre si.
Basta de se assistir a atitudes de técnicos oficiais de contas que, ao assumirem uma contabilidade, começam logo por, em nome do cliente que ainda mal conhecem, escreverem ao colega que o antecedeu, quantas vezes em tom grosseiro e ameaçador, fazendo exigências de vária ordem que só ao cliente, titular dos interesses em jogo, competem.
Desde logo, tal actuação viola frontalmente todos os deveres deontológicos, além de constituir puro exercício de procuradoria ilícita, legalmente punível. Sendo certo que, entre ambos, inexiste qualquer relação contratual ou vínculo legal que imponha um dever de resposta.
É o cliente, e só este, quem deve regularizar todas as relações contratuais e eventuais diferendos com o anterior técnico oficial de contas. O novo profissional, quando muito, poderá servir de elo de ligação, com o único intuito de facilitar, e nunca de complicar, o já de si difícil relacionamento.
Outro ponto que se pretende salientar prende-se com a angariação de clientela baseada na crítica destrutiva ao trabalho que está a ser desenvolvido, quantas vezes sem sequer o conhecer, ou através de uma política, condenável, de baixos preços, que acaba por se traduzir em concorrência desleal. Por um lado, ninguém tem o direito de ajuizar acerca do trabalho desenvolvido por outrem sem o conhecer, assim como às circunstâncis em que o mesmo foi executado. E, por outro lado, os serviços prestados devem ser remunerados com o mínimo de dignidade, sendo certo que as exigências são cada vez maiores, necessitando de uma resposta capaz. Isto exige do profissional uma estrutura à medida das necessidades, sendo certo que o aumento quantitativo dos serviços prestados terá de se reflectir inevitavelmente na remuneração dos mesmos.
Importa que os técnicos oficiais de contas saibam enquadrar-se nas exigências do seu Estatuto e valorizá-lo enquanto instrumento de dignificação profissional fazendo sentir aos empresários que se está perante uma nova era de exigência e de responsabilidade por que eles são também legalmente responsáveis. O trabalho dos técnicos oficiais de contas passa também pela formação dos empresários para a cidadania, concretizada no cumprimento das obrigações societárias, contabilísticas e fiscais em que ambos são co-responsáveis.
O dever de mútua colaboração entre os técnicos oficiais de contas deve sobrepor-se a eventuais interesses imediatos que, cedo ou tarde, se revelarão infundados. Que o técnico oficial de contas, enquanto homem livre e profissional responsável, que aspira a uma cada vez maior dignificação, não procure impor-se pela crítica gratuita ou por comportamentos indignos, sempre limitados no tempo, porque ao pretender destruir os outros, cedo ou tarde acabará lobo de si próprio.
O respeito e a dignificação profissionais terão de partir dos próprios técnicos oficiais de contas para se imporem depois à sociedade que utiliza os seus serviços. De outro modo, tais princípios não passarão de uma miragem num deserto de esperança.

Publicado em Ética e Deontologia

Por via de regra, as empresas de contabilidade estabelecem, com os seus clientes, contratos de prestação de serviços de duração variável sendo os serviços prestados remunerados através do pagamento de uma quantia mensal - avença. E a questão que se coloca face ao incumprimento, pelos clientes, da obrigação de pagamento, é a do prazo de prescrição. É esta questão que vamos procurar esclarecer.

Por razões de segurança e de certeza jurídicas, a lei estabelece um prazo que, uma vez decorrido, torna inexigível ao devedor o pagamento da divida. Se esta for peticionada, basta ao devedor invocar o decurso do prazo prescricional para ser absolvido.

O prazo ordinário de prescrição é de vinte anos, tempo considerado suficiente para que qualquer credor exija, do devedor, o cumprimento da prestação a que está obrigado – Artº 309º do Código Civil.

Todavia, o legislador, em relação a certos créditos, estabelece prazos de prescrição mais curtos, na convicção de que é de presumir que, nesse período de tempo, a dívida foi paga. São as chamadas prescrições de curto prazo ou presuntivas, exactamente porque assentam na presunção do pagamento. Tais prescrições respeitam a dívidas que normalmente se pagam, não sendo, por via de regra, exigido recibo ou quitação e, sendo-o, o devedor não guarda o recibo, pelo que tais dívidas devem presumir-se pagas quando tenha decorrido um lapso de tempo curto após o seu vencimento. Decorrido o prazo prescricional, o devedor fica dispensado de provar o pagamento de tais dividas através da exibição do respectivo recibo que, muitas vezes, não exige ou não guarda. Invocando o decurso do prazo prescricional, o devedor livra-se do pagamento.

Como vimos, a "ratio legis" das prescrições de curto prazo radica na presunção de que o pagamento foi efectuado. Assim, se o devedor, ao ser demandado, além de invocar a prescrição, assume posições de defesa que contrariam a presunção do pagamento, nomeadamente alegando exagero do valor pedido, a sua inexigibilidade, o incumprimento do contrato, etc, está a assumir que não pagou, o que ilide a presunção de pagamento, não beneficiando, consequentemente, da presunção subjacente à prescrição presuntiva ou de curto prazo – Artº 314º Código Civil.

Chegados aqui, importa esclarecer qual o prazo prescricional das remunerações mensais (avenças) do contrato de prestação de serviços estabelecido entre a empresa de contabilidade e os seus clientes.

Ora, o Artº 317º, al. c), do Código Civil estabelece que prescrevem no prazo de dois anos os créditos pelos serviços prestados no exercício de profissões liberais. Assim, os créditos mensais do técnico oficial de contas em regime independente prescrevem no prazo de dois anos. O legislador presumiu que, vivendo o profissional liberal da remuneração do seu trabalho, é normal que exija dos seus clientes, em curto prazo, o pagamento dos seus honorários. E se isto é verdade quanto ao pagamento dos serviços esporádicos, vale também para os serviços continuados, remunerados periodicamente. O profissional liberal vive tanto do produto dos serviços prestados esporadicamente como dos prestados com carácter de habitualidade.

Mas se, relativamente aos profissionais liberais, a questão não suscita dúvidas face à clareza da lei, outro tanto não sucede quanto aos créditos das empresas de contabilidade. Estão igualmente sujeitos ao prazo prescricional de dois anos ou apenas à prescrição ordinária de vinte anos? Quid juris?

Quanto a nós, propendemos para o prazo curto de dois anos. E isto porque não fazia qualquer sentido que o técnico de contas enquanto profissional liberal estivesse sujeito a uma prescrição de curto prazo e, quando prestasse os mesmos serviços integrado numa sociedade, fosse outro o regime prescricional.

Vimos já que a "ratio legis" das prescrições presuntivas assenta na natureza dos serviços que, habitualmente, são pagos e em curto prazo. Ora, esta razão releva tanto para o profissional liberal como para a sociedade de profissionais ou para a sociedade de prestação de serviços. Por outro lado, se o profissional liberal vive do produto do seu trabalho, o que o leva a exigir os seus honorários em prazo curto, o mesmo sucede com as sociedades de profissionais ou prestadoras de serviços, que só sobrevivem se receberem o preço dos serviços que prestam.

Além disso, o citado Artº 317º, na sua alínea b), fixa também em dois anos o prazo de prescrição para os créditos dos comerciantes – e as sociedades comerciais são comerciantes por natureza – pelos objectos vendidos a quem não é comerciante ou os não destine ao seu comércio, bem como para os créditos de quem exerce profissionalmente uma actividade económica produtora de riqueza, pelo fornecimento de mercadorias ou produtos ou execução de trabalhos. Muito embora, segundo a nossa modesta opinião, não se possa, com propriedade, incluir aqui as empresas de prestação de serviços, também não deixa de ser verdade que se os créditos dos comerciantes e industriais prescrevem em dois anos, por analogia também prescrevem em dois anos os créditos pela prestação de serviços, tanto mais que, quando exercidos pelo profissional liberal, é esse o prazo prescricional.

Pode argumentar-se que, tendo hoje em dia os clientes necessidade dos recibos de pagamento para incluir em custos, insubsiste o pilar da normal falta de exigência de recibo em que radica a prescrição de curto prazo. Tal argumento não colhe, todavia. Com efeito, esse argumento que, aquando da aprovação do Código Civil, em 1966, correspondia à situação então vivida determinou a criação da prescrição presuntiva. A evolução entretanto verificada poderá, no futuro, levar à sua alteração ou mesmo extinção. Todavia, enquanto tal não suceder, a lei existe e terá que ser respeitada.

Poderá ainda questionar-se por que razão o legislador, ao estabelecer a prescrição de dois anos, previu os créditos dos serviços prestados por profissionais liberais, ignorando os créditos das sociedades de profissionais ou das sociedades de prestação de serviços. A solução parece-nos óbvia. É que, quando foi aprovado o Código Civil (1966), tais sociedades inexistiam. Os serviços por elas prestados eram desempenhados apenas por profissionais liberais. O individualismo e a marca pessoal sobrepunham-se às actuais necessidades de organização e estrutura ditadas pela complexidade dos nossos dias e dos problemas que lhe são inerentes.

Não tendo o legislador previsto as sociedades de profissionais e as sociedades de prestação de serviços, há que integrar tal lacuna da lei.

Ora, a integração das lacunas faz-se recorrendo à norma aplicável aos casos análogos – Artº 10º do Código Civil. Isto é, sempre que, no caso omisso, procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei, aplica-se esta regulamentação.

Vimos já que as razões determinantes da prescrição dos créditos dos profissionais liberais procedem no caso dos créditos das sociedades de profissionais ou prestadoras de serviços, face à identidade dos serviços prestados. Procedendo igualmente as razões que determinaram o mesmo curto prazo de prescrição para os créditos dos comerciantes e dos industriais.

Assim, concluímos que os créditos das empresas de contabilidade estão sujeitas ao prazo de prescrição de dois anos.

Duas notas ainda a salientar. A primeira para referir que o dito prazo de prescrição aplica-se não só aos créditos de honorários como também ao reembolso das despesas feitas no exercício dos serviços contratados.

Refere-se ainda que, sendo os serviços pagos, por via de regra, mensalmente, o prazo de prescrição conta-se a partir do vencimento de cada uma das mensalidades, que são autónomas. Ou seja, a contagem do prazo prescricional de cada uma das mensalidades inicia-se no momento em que o credor pode exigir o seu pagamento.

Por último e de acordo com o acima exposto, salienta-se que nada impede que, apesar de decorrido o prazo prescricional de dois anos, a empresa de contabilidade accione o seu cliente correndo, no entanto, o risco de este vir invocar a prescrição e obter ganho de causa. Só assim não sucederá se o devedor se defender por forma a ilidir a presunção de pagamento ou se, através de documento escrito, tiver confessado a falta de pagamento – Artº 313º, nº 2, do Código Civil.

Publicado em Direito Civil